quinta-feira, 21 de maio de 2009


Gostaria de contar a história de vida de uma mulher negra que me impressiona e fascina desde a adolescência. Carolina Maria de Jesus.

Nos dias de hoje Carolina é uma figura praticamente esquecida, ou mesmo desconhecida, por grande parte da sociedade brasileira. Descendente de escravos africanos, nasceu num vilarejo rural em Minas Gerais, foi trabalhadora rural, empregada doméstica, catadora de papel em São Paulo e autora de um dos livros mais vendidos, lidos e comentados na década de 60 "Quarto de Despejo".
Nele, a pobre catadora de papel que só estudou até a segundo ano do Ensino Fundamental, relata seu dia-a-dia para sobreviver numa favela, sozinha com três filhos e tendo como fonte de renda única os poucos cruzeiros que obtinha na venda dos papéis catados na Grande São Paulo.
Lembro que ao ler cada parágrafo, eu adolescente, tentava imaginar uma vida como aquela.Quase vazia de esperanças, mas abarrotada de dificuldades. Acompanhei com pesar a fome passada por cada um de seus filhos que muitas vezes tinham que se contentar com algumas frutas ou verduras estragadas que ela conseguia salvar num fim de feira, outras vezes, nem isso para acalmar os jovens estômagos famintos.
Seu diário relatava sua vida sem fantasias ou enfeites. Uma realidade sem cores que a suavizassem. Morei por algum tempo em seu barraco na favela, presenciando junto com seus filhos as brigas dos vizinhos, as visitas políticas em época de eleição, os carrinhos e bonecas usados presenteados, vez ou outra por alguma boa alma em época natalina...
A história de Carolina após a publicação do seu livro não aparece escrita em suas páginas sofridas. Ficaram para sempre gravados na memória da mídia e de alguns que acompanharam sua trajetória. De desconhecida, a ícone de uma época. A cinderela negra, como foi chamada, que saiu da sujeira de um barraco na favela para as primeiras páginas de jornais nacionais e internacionais. Viu a venda de seu livro ser equivalente a de Jorge Amado, sendo publicado em 13 línguas, em mais de 40 países!!!
Porém o sonho durou pouco, logo foi esquecida, abandonada por aqueles que antes a "cultuavam". Foi vista pela última vez catando lixo novamente pelas ruas da Grande (e Indiferente) São Paulo.

Um exemplo de mulher, de inteligência natural e de como a sociedade brinca com a vida das pessoas, construindo-as e descontruindo-as num virar de página.

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